terça-feira, 21 de abril de 2015

Fugitivos

Cabelos negros esvoaçados pelo brisa de veraneio. Uma garota de olhos achocolatados com um nariz afilado pronto pra encarar qualquer desafio sem perder a compostura. Eu estava vivendo de caçadas há muito tempo, e foi naquela tarde que minha rotina entrou em colapso quando ela sorriu pra mim um riso que mais tarde eu saberia que era minha ruína.

-Não precisa ter pressa - ela dissera - somos jovens, mas não estamos fugindo de ninguém - eu assenti e tentei domar meu imediatismo. Como poderia explicar que era do tempo que eu estava tentando fugir? O maldito tempo que sempre vinha corroer tudo de bom que eu construí na minha vida?
-Bom, nós não temos muito tempo - eu me referia ao fato que ela iria para outra festa ainda naquela noite.
-Podemos sempre esperar até amanhã - podíamos? Eu não tinha certeza - contanto que você não esqueça meu nome.
-Eu não vou - deveria ser uma promessa vã, como tantas que eu já fizera na minha vida, mas não foi. Não com ela. Aquilo era real, e mesmo eu querendo lutar contra, nunca fui bom em mentir para mim mesmo.

Ficamos noivos numa quarta à noite, era o nosso dia. Jurei sobre nossos filhos que ainda iriam nascer que eu iria conseguir cuidar de todos nós, porém na hora, não pesei sobre tendência humana de fugir de problemas. Quando as noites ficavam difíceis, me batia uma vontade de abrir as asas e voar para longe, era genético. Só que ela não gostava de ser contrariada, eu ainda não sabia, mas ela planejara piamente me conquistar e possuir por um capricho egocêntrico, e assim ela pegou minha mão e disse que poderíamos fugir pra outro lugar. Como eu poderia explicar que era da nossa felicidade que eu estava querendo fugir? Estava muito bom para ser verdade, ela tinha de ter defeitos certo?

Eu fiquei, plantei raízes, mesmo meu coração me dizendo o tempo todo pra fugir. Eu sabia o quanto eu havia segurado-a e não iria soltar por nada, só que, como eu previra, o tempo não tardou em vir buscar o que lhe era seu de direito. Seus defeitos eram tão parecidos com os meus, só que de uma intensidade desproporcional. Eu era tolo, acreditei que ela iria querer mudar como eu sempre quis quando deixava meus defeitos sobrepujarem minhas virtudes e assim eu fiquei, e acreditei no melhor dela.
A rotina nos consumiu, éramos apenas cascas vazias da essência que costumávamos ser. De pouquinho em pouquinho nossas metas particulares ribombaram mais alto do que a sinfonia que nosso amor tocava e uma distância foi crescendo entre nós.

-O que aconteceu com a gente? Costumávamos olhar as estrelas e confessar nossos sonhos; abraçamo-nos até amanhecer e no raiar dos domingos, não levantávamos até ter certeza que nosso amor se fizera presente. Costumávamos rir, agora só brigamos, você não se sente sozinha agora? - eu tentei remediar lhe alertando sobre a nossa situação, mas ela apenas se calou. Apenas deixou lágrimas caírem e num impulso inesperado, pediu-me que ficasse. Eu deveria ter negado, eu deveria ter sacudido as amarras das minhas asas atrofiadas e partido dali, mas não o fiz. Tudo pra pouco tempo depois, alçar um voo tropego e deixá-la no meio de uma das piores tempestades que suas escolhas lhe levaram.

O hiato nunca teve chance de se desenvolver, ela me procurou indo contra toda a natureza de seu nariz afilado. Eu quase sucumbi, e ao renunciar ao seu pedido, soube que era o certo a se fazer. O tempo iria nos fazer mais mal se estivéssemos juntos, do que separados, ela teria de entender isso. E assim o hiato se perpetuou, até que um sonho me sinalizou que canecas quebradas podem ser coladas. Foi nisso que eu acreditei quando fui até ela, mesmo quando minhas asas começavam a se re-acostumar com as caçadas.Um tolo esperançoso. Sentia-me responsável pela felicidade alheia ante a minha e assim voltei a sacrificar-me numa situação pouco aprazível.

Havia um medo dentro de mim que nunca houve antes: a certeza que mesmo sendo transparente e renovando as juras que havíamos feito anos antes na mesma praia, ela estava diferente. Era como nossos laços fossem espectros do que costumavam ser, e as fotos que recolocara nas paredes estivessem me alertando do final trágico que nos aguardava.

Rompemos definitivamente numa quarta à noite, era o nosso dia. Jurei que não iria amaldiçoá-la, como fizera com todas as outras pessoas que haviam mutilado meu coração. Com ela tinha de ser diferente, e foi. Percebi que desde que nos conhecemos, éramos apenas fugitivos. Isso até descobrir que a fuga dela nunca foi sobre mim e sim sobre ela mesma, e isso fez com toda consideração que tinha pelo nosso tempo, se tornasse desprezo.

Tentamos o máximo que pudemos fugir do tempo. Tentamos ter um algo atemporal, mas falhamos como tantos outros, e agora fugimos disso. Fugimos das lembranças e do que pra mim foi um tipo de amor (mesmo que sem reciprocidade), como tentamos fugir do tempo, na esperança, que pelo menos essa fuga dê certo.

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