quinta-feira, 30 de junho de 2011

Carcará

As lágrimas quentes que escorreram em seu rosto me fizeram engolir em seco, e refletir sobre o que eu estava fazendo... Queria poder dizer que a culpa foi só minha, que eu fui egoísta o tempo todo, e que você sempre foi o namorado mais perfeito do mundo, mas não foi bem assim. Tive de morder minha língua para não mentir para você. Por mais que não lhe amasse, do jeito que amara no passado, eu ainda lhe queria bem... Bem o bastante para não proferir nenhuma palavra falsa.

Você se foi, revoltado, indignado e com um grande pesar no peito. Eu te vi arrancar com o carro, para longe da minha rua... Para talvez nunca mais voltar, e pela primeira vez me senti leve. Talvez eu finalmente estivesse sendo sincera comigo mesma. Voei pra longe, sem precisar do seu amor, que já não servia de nada para mim.

E só com a sinceridade libertando a maioria dos grilhões em que eu prendera meu coração, eu pude visualizar o que deu errado entre a gente. Eu era só uma menina quando você me conquistou, e você era o namorado mais perfeito que eu já sonhara em ter. Todas as serenatas, cartas, declarações, conversas, conselhos, abraços, discussões, carinhos, lições, afagos e silencio (nas horas que nada havia pra se dizer) que você me deu ficaram bem guardados num cantinho do meu coração que reservei só para você, para nunca mais apagar. E isso é tudo que posso lhe dar agora; um cantinho no meu coração, pois há muito tempo, não consigo lhe manter como rei légitimo do meu peito.

Dizem que tudo em excesso acaba sendo ruim. Parece que estavam certos, e nós não conseguimos perceber isso a tempo do nosso amor começar a se enferrujar. Eu mudei tanto, que nem me reconheço mais nas fotos que gosto tanto de olhar. Você não mudou nada, estagnou; se tornou uma fraca nuance do que costumava a ser. E foi aí que meu encanto por você se acabou, quando você decidiu não sonhar mais; quando você decidiu sonhar os meus sonhos.

Eu sei o quão lhe machuquei ao impedi-lo de seguir em frente, mas só agora, depois de errar por mim mesma, e de perceber os erros sozinha, sei que foi melhor assim, a última chance que você me deu, nunca teve uma chance de verdade de dar certo... Eu queria pedir desculpas pelas lágrimas que fiz seus olhos derramarem, mas eu não consigo... Não é egoísmo, é só que eu sei que se não fosse assim, eu nunca me despreenderia de você, e talvez agora você consiga se despreender de mim. Talvez você consiga fugir do meu coração, que vive caçando qualquer forma de carinho; vendo em você a presa mais fácil para saciar a vontade que ele tem por carinho.

-A gente não precisa seguir as 'regras' dos relacionamentos alheios, só nós dois sabemos o que vivemos, e por que o fazemos, então não vamos nos importar com rótulos... Se quisermos ficar juntos novamente, que seja assim então...
-Não mais, essa foi a última vez.

Foram suas últimas palavras pra mim, e eu lhe dei um sorriso triste, porque seu orgulho lhe impediu de mostrar a você que não existe regras para o que queremos. O Amor não tem regra. É como um Carcará. Pega, Mata e Come. Nunca passa fome, mesmo que tenha de ser cruel. Pois, mais cruel que usar seu coração, era deixar o meu aflito pela fome de carinho que ele teima em sentir de vez em quando.

Só espero que você nunca esqueça de mim, assim como eu nunca lhe esquecerei, e lhe agradeço por tudo, principalmente por ter me protegido no momento mais dificil da minha vida. Lhe agradeço por todo o amor que você me deu, e rezo para que você seja tão feliz quanto merece; quanto eu fui quando amei você.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

80 weeks (Inverno)

Tudo aconteceu como as palavras dele queriam que acontecesse. Mas essa não era a real vontade de Daniel. Lá no fundo ele fora ingenuo de acreditar que Isabel iria lhe impedir... Mas ela não o fez, acatou a decisão dele, deixou que os sentimentos velhos e sem manutenção, caíssem como folhas amareladas e sem vidas ao fim do Outono, com o frio que dominou o coração de ambos.

Ela não soube dizer quanto tempo ficaram sem trocar uma palavra... Quanto tempo o frio os deixou hibernando, só percebeu que já se iam chegando a oitenta semanas que ela o conhecia, ou pelo menos que achava que conhecia. E como em todo inverno, ela teve saudade do calor do Verão... Desejou saborear uma nova Primavera, mas sabia que aquilo eram só ilusões tolas que seu coração costumava a pregar sempre que dormia.

-Eu mereço bem mais que 100% - ela anunciou quando ele pausou um monologo.
-É?
-É.
-Por que?
-Porque sim, oras - ela insistiu sorrindo.
-Acho bem dificil... Nem eu tenho 100% de mim mesmo - ele confessou com um sorriso triste.
-Justamente, por isso eu mereço! - ela sabia que não havia sentido no que falava e por isso lhe deu um sorriso confiante.
Ele a tomou pelos braços.
-E eu mereço você - ele disse envolvendo-a num abraço apertado que só ele sabia dar. Beijando-a de um jeito que só ele sabia beijar. Lhe tirando todo o frio, lhe enchendo de calor.

Aquelas lembranças traziam frio. Um frio que Daniel nunca esperou sentir. Ele que era o homem que não se arrependia, agora sentia aquela ferida latejar o tempo todo. Tinha que fazer alguma coisa...

-Eu preciso de você - ele confessou quando completava-se a 80ª semana que se conheciam - preciso do seu sorriso, preciso do seu olhar, preciso da sua vontade de sonhar...
-Hmm - ela respondeu friamente. Sabia que tinha que se controlar. Mais do que jamais fizera. Não queria nunca mais mergulhar naquela imensidão de incertezas que tendiam a lhe machucar tão profundamente. Pelo menos era isso que sua racionalidade lhe dizia: ela não queria.
-Eu sei que o que fiz foi muito errado.
-É.
-E sei que não tem perdão.
-Não, eu já lhe perdoei - pelo menos era isso o que Isabel dissera a si mesma.
-Eu acho que o que fiz contigo foi só um reflexo do que fiz a mim mesmo...
-Como assim?
-Bem... Quando eu era criança, eu prometi a mim mesmo que iria ser quem eu quisesse. Que iria viver o que sonhasse. E olha quem eu sou... Você já parou pra pensar que talvez você seja uma pessoa que seu 'eu-criança' teria aversão?
-Daniel...
-É sério... Sei lá, é como se eu não tivesse motivos pra viver mais... Como se eu tivesse falhado em tudo...
-Não diz isso.
-Só estou falando a verdade...
-Olha, tenho que ir - ela estava dizendo a verdade. Precisava dormir. Mas então porque sentia um nó na garganta tão apertado?
-Vai, vai... Desculpa por tudo, mais uma vez...
-Eu já te perdoei.
-Mas eu não me perdoei - aquilo lhe fez sentir uma certa satisfação. Mas aquela satisfação era tão fria. E isso a fez mal. Tinha que fazer algo... Mesmo que ele não merecesse.
-Olha, para com isso ok? Por favor... Você é muito melhor do que a maioria, você sabe disso... - do contrário, por que então ela tinha se deixado roubar por ele? - você me fez acreditar nisso...
-Eu te comprar um produto defeituoso.
-Pode até ter sido... Mas eu comprei. E amei. Lá no fundo, ainda amo. Então fica bem.

E ela fugiu. E ele ficou cheio de sensações estranhas. Sorriu, e se lamentou. Alegria e arrependimento. E ele resolveu escrever sobre os dois. Tudo iria voltar como deveria ser... Só que nunca voltou.

Daniel e Isabel continuaram a se falar, porém cada vez menos... Sem mais vontade. Eles se amavam, e se amariam até o fim da vida, pelo amor impossível que haviam encontrado naquele relacionamento estranho; pela tragédia, pela comédia, pelo amor, pela amizade... Mas eles nunca ficaram juntos, porque foram covardes.

Ela foi covarde em nunca admitir para si mesma o que realmente sentia por ele. Ele foi covarde em nunca deixar que aquilo que sentia fosse livre o bastante para se concretizar. E sinceramente, o amor não existe para covardes.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Ululante

Sinto tanta falta do seu abraço; e percebo o quão triste sou, ao viver perdendo meus atalhos para fugas; o quão triste sou por ter perdido você.

Deveria ser uma coisa boa, pra vê se eu aprendo a me controlar; deveria... Mas não é.

Isso porque tem uma parte de mim (uma das tantas que ainda não conheço), que não tem rédeas; é uma zona do meu coração que não tem acesso a nenhum pingo de razão... Eu até já tentei mapeá-la, refletir... Mas a única coisa que consegui, foi ver meu coração ulular.

Por isso fico aqui, lhe vendo florescer, sem poder fugir de mim e me perder em você.

domingo, 5 de junho de 2011

80 weeks (Outono)

Com um pouco de dificuldade, ela conseguiu abrir os olhos. Estavam inchados, e relutaram em abrir. Quando conseguiu se arrastar até o espelho, viu que os cabelos estavam desgrenhados, e havia rímel borrada até sua bochecha; a cabeça ainda latejava e garganta queimava cheia de sede. Após um analgésico e um bom banho quente, ela percebeu que tudo que ocorrera na noite anterior não fora um sonho ruim...

Já fazia cerca de cinquenta semanas que vira pela primeira vez o sorriso de Daniel, e agora não sabia se iria vê-lo novamente. Ele se afastou dela assim como quando o Verão chega ao fim, com uma sensação fria inesperada, gelada; e que faz você querer se esconder debaixo do cobertor até o frio passar.

Isabel se escondeu por algumas semanas, mas logo não suportava mais a sua própria companhia, estava colhendo o que plantou, assim como os agricultores fazem no Outono. Ela sempre soubera o quão perigoso era o relacionamento que se enfiara, mas sempre tivera a tênue esperança que isso não fosse acontecer.

-Acho que o destino se atrasou em nos apresentar.
-Como assim?
-É, sei lá - Daniel riu tentando manter a garota no seu colo, mesmo que sem o consentimento dela. - se eu tivesse te conhecido dois meses antes, talvez eu fosse seu namorado agora.
-Será?
-Ou talvez não... - ele acrescentou - acho que o que a gente tem, só é tão intenso porque o destino se atrasou.
-Então isso foi bom ou ruim?
-Bom - ele sorriu e puxou-a pelo queixo para mais perto de si - ele pode ter se atrasado, mas pelo menos me trouxe você.

Daniel lembrou disso enquanto relia uma carta que Isabel lhe dera há tempos atrás. Era da época em que ela ainda namorava. Sentiu um nó na garganta, e discou o número dela, mas desistiu antes de completar a ligação.

Ele sentia um desconforto enorme. Tinha que conversar com ela.

-Eu queria só explicar. Eu realmente te amei, e realmente te quero muito bem, por isso estou me afastando de você.
-Isso não faz sentido nenhum - ela protestou sem saber como reagir. As lágrimas já haviam secado, assim como as folhas que haviam caído das árvores no jardim.
-Eu sei que não faz, por isso mesmo estou te dizendo. Eu sou assim frio, eu machuco as pessoas.
Ela não sabia o que responder, não havia o que dizer.
-E por isso estou indo embora, porque não dá mais pra continuar, não do jeito que tá. E acho que nada vai mudar, porque eu não deixo as coisas mudarem.
Ele se referia a sua insistencia de manter o relacionamento deles escondido.
-Se você quer assim - foi a única resposta que ela conseguiu dar.
-É o que eu quero. Que você seja feliz, longe de mim. Você merece alguém bem melhor que eu... E enquanto eu estiver na sua vida, tudo vai ser uma confusão.
-Ok então.

Ele ficou sem saber o que falar. Não esperava que ela acatasse ao que ele disesse sem um discussão. Mas ela mudara.
Isabel deitou a cabeça no travesseiro, e se sentiu forte. Sentiu também que seu peito não mais estava úmido pelas lágrimas que derramara nas últimas vinte semanas.
Agora estava tudo seco. E frio, como o Inverno que preenchera todo seu coração.