Meia-noite.
Meia-noite? Talvez duas da manhã. O celular tem hora. O computador tem hora. A
hora não é hora. É que o tempo deixou de ser temporal. É uma consequência da
limitação do espaço. Nunca soubemos o que bilhões significava para o mundo. Não
acho que vamos descobrir agora.
Acender um cigarro na varanda não me rende mais o
interfone tocando com reclamação do síndico ou, em casos da fumaça ter um
cheiro diferenciado, de notificações do condomínio que nunca paguei e deixei
para meu locatário.
Gosto do vento da varanda. Antes vinha com fumaça de plástico
queimado de uma casa invadida aqui no bairro, ou do retorno do esgoto quando as
chuvas alagam as ruas e todo o lixo urbano se mistura às águas pluviais. Também
tinha um vento. É um dos poucos prazeres de morar entre o subúrbio e um bairro
de classe alta. Vento de uma avenida que rasga a cidade. Não tem cheiro, mas tem
intensidade. Não tem sabor, mas tem sensação. Não tem rumo, mas tem sentido
para mim. Sentado numa cadeira desconfortável, sinto dores que não
tinha quando era mais ativo fisicamente. Na prática, deveria estar aproveitando
a economia de tempo de deslocamento em possibilidades de aprimorar o meu eu.
Treinar. Sempre gostei de me exercitar. Em qualquer possibilidade. Mas não me
lembro, agora, da última vez que me exercitei só pela tal da endorfina. Meu
exercício tem sido psíquico.
Psíquico. Não mental. Não é estudo. Não é aprimoramento.
Não é busca por conhecimento que vai se tornar algo melhor para mim quando tudo
passar. É psíquico não só porque é o tipo que derrota o lutador. É psíquico
porque minha psique precisa ser estimulada. É isso ou sucumbir à anseios
mentais que evocam toda uma base privilegiada de conhecimentos sinalizando que
vai piorar. Vai piorar. É o Brasil. Nunca duvide do Brasil. Não duvido.
E se não há dúvida, como eu ainda quero
ficar aqui? É que eu sou teimoso. Rancoroso. Câncer com ascendente em capricórnio.
Não importa. A reflexão vai longe, mas o sono chega. E aí eu lembro que sou
humano. A cerveja esquenta.
O copo tá vazio e a preguiça de abrir outro me
alenta. Amanhã eu desperto em algum horário sem hora. Num dia que não tem semana.
É mais um número. Perdido. Sem tempo. Sem espaço. Apenas mais um dia. Bom dia.